Minha alma foi exigida em dois momentos cruciais de minha vida.
O primeiro momento aconteceu aos vinte e dois anos de idade, quando, sozinho e perdido na grande cidade de Salvador, na "Toca do Sol" , senti solidão e medo.
Quando a alma acusa e indica solidão e medo, é quase o "fim do poço". É quando a pessoa precisa de ajuda.
Não sabia o que fazer ou onde me agarrar. Tentei resistir disfarçando o terror e viajando para Cachoeira todo final de semana, quando tinha dinheiro é claro. Lá em Cachoeira me reencontrava, reabastecia as energias da alma, um pouco, antes de voltar novamente ao medo e à solidão.
Nestas idas e vindas a Cachoeira, em um momento mágico, em conversa com Cacai na biblioteca da Pitanga, me falou sobre Shopenhauer - " Aforismos para a Sabedoria da Vida". Peguei o volume indicado constante de uma Coleção denominada " Cultura" com aproximadamente dez títulos de diversos autores extrangeiros expressivos. Lembro-me que lí alguns trechos, interessei-me, e o levei escondido para Salvador.
A partir de então me debrucei sobre a leitura do filósofo alemão me agarrando a êle como uma tábua de salvação. Efetivamente foi minha salvação para aquele momento. A filosofia invadiu minha alma presisada como uma luz divina. Apeguei-me a Shopenhauer como se apega à propria vida. Minha solidão e meus medos encontraram um adversário fortíssimo. Daí busquei a leitura de outros filósofos. Passei a comprar uma coleção chamada " Os Pensadores" vendida por volume que saia a cada mês a preços populares nas bancas e livrarias. Comprei vários volumes na Livraria da Estação Rodoviária, quando viajava para Cachoeira. Muitos filósofos pré e os pós Socráticos passearam sobre meus olhos e coração ávidos de conforto espiritual. Meu corpo frágil e minha alma fragilizada ganhou força e a leitura das pensadores filósofos passou a conviver com os estudos jurídicos.
O segundo momento, aconteceu a aproximadamente seis anos atrás.
Durante mais de cinco anos ininterruptos, associados a outras pessoas resolvi trabalhar muito e ficar rico. Passei a vivenciar um tempo de vida que o que menos importava era o conforto da alma. Passei a visar muito mais a conquista profissional, realizações financeiras, acúmulo de bens, desenvolvimento empresarial. As realizações materiais foram acontecendo, a profisionalização das atitudes passou a suplantar as coisas da alma. Aflorou-se a ambição, a vaidade, a arrogância. A contemplação do belo natural foi suplantado pelo belo material, pelo belo transformado. Veio a sofregdão pelo prazer efêmero das festas e farras. A família e os amigos passaram a ter impotência secundária - a fase do dinheiro conquista tudo. Então, veio a debacle . O conflito com Cristiane e quase o fim do casamento só evitado pelo conselho fecundo e experiente de Ronaldo. A doença do corpo , o conflito entre sócios e familiáres, afastamentos sofridos, inimizades , perda de posições, de bens materiais e morais. Noites e mais noites sem dormir e por fim o vere dícto final pela voz do irmão médico Nelsinho ao analizar defronte de mim uma série de exames médicos que solicitara : - Paulinho, voçê que viver ou quer morrer ? Se quer viver mude de vida, mude seus hábitos, disse com voz grave. . Naquela noite saí do consultório de Nelsinho, rumo a minha casa na Pituba e sem me dar conta do que estava fazendo fui parar no fim de linha de Itapoã - Lagoa de Abaeté. Sentei-me sozinho e atõnito em uma barraca nas proximidades da lagoa famosa " arrodeada de areia branca" e pedi uma cerveja . Deixei o pensamento fluir. A lembrança de Sônia que morou em itapoã e minhas visitas semanais a ela, nos dias de quinta feira para pegar o rango e o maravilhoso suco de maracujá ( da fruta) aproveitando a folga na faculdade à tarde. Mil pensamentos perpasando, massacrando, salvando, por fim a solidão e o medo. Medo de morrer doente, medo de ficar só, medo de mim mesmo ... o fundo do poço se aproximando velozmente.
Então, um estalo de lucidez diante das águas escuras da Lagoa. Meus amigos esquecidos a mais de cinco anos suplantados pelos valores externos e efêmeros. Shopenhauer, Montaigne, Sócrates, Platão, Cícero, Epicteto, Hume , Montesquier, Marco Aurélio e tantos outros, desfilaram pelo abismo negro de minha alma. Depois a imagem de meus filhos e a necessidade de não morrer antes de vê-los independentes.
Voltei para casa, silenciosamente e busquei na estante, o ja empoeirado Montaigne. Foi o recomeço de minha vida espiritual. A retomada da vontade de viver. Ser bom comigo mesmo e especialmente com as outras pessoas. A busca infinita pela moderação, pelo domínio dos desejos, A busca pelo perdão daqueles que fiz mal e perdoar aqueles que supunha ter me ofendido. Apagar de vez todas as formas de rancor do coração e buscar amar todas as pessoas . Conter os excessos, suprimir a ambição desmedida e a arrogância. Buscar sempre fazer o bem para as pessoas, buscar incessantemente não magoar ou provocar sofrimento a qualqure outra pessoa. Enfim, ser virtuoso. Só a experiência da virtude pode suprimir a solidão e o medo. É isso que a filosofia ensina e é isso que tenho buscado aprender e praticar incessantemente, neste últimos seis anos.
Hoje posso dizer que superei em muito a solidão e o medo. A minha alma ganha contornos inimagináveis e não me descuido um só instante no contato perene com meus amados irmãos, mãe, filhos, esposa, sogra sobrinhos, primos, cunhados, genrro e nora, amigos... e meus inseparáveis livros dos grandes pensadores e filósofos.
Cuido de minha alma com o mesmo apego que cuido de minha vida material. Neste mundão , tempo de tanto sofrimento e conflito, vale a pena ser observado o Tempo da Alma.
Paulo Lobo