sábado, 24 de abril de 2010

Tempo da Alma

Minha alma foi exigida em dois momentos cruciais de minha vida. 

O primeiro momento aconteceu aos vinte e dois anos de idade, quando, sozinho e perdido na grande cidade de Salvador, na "Toca do Sol" , senti solidão e medo.

Quando a alma acusa e indica solidão e medo, é quase o "fim do poço". É quando a pessoa precisa de ajuda.

Não sabia o que fazer ou onde me agarrar. Tentei resistir disfarçando o terror e viajando para Cachoeira todo final de semana, quando tinha dinheiro é claro. Lá em Cachoeira me reencontrava, reabastecia as energias da alma, um pouco, antes de voltar novamente ao medo e à solidão.

Nestas idas e vindas a Cachoeira, em um momento mágico, em conversa com Cacai na biblioteca da Pitanga,  me falou sobre Shopenhauer - " Aforismos para a Sabedoria da Vida". Peguei o volume indicado constante de uma Coleção denominada " Cultura" com aproximadamente dez títulos de diversos autores extrangeiros expressivos. Lembro-me que lí alguns trechos, interessei-me, e o levei escondido para Salvador. 

A partir de então me debrucei sobre a leitura do filósofo alemão me agarrando a êle como uma tábua de salvação.  Efetivamente foi minha salvação para aquele momento.   A filosofia invadiu minha alma presisada como uma luz divina.  Apeguei-me a Shopenhauer como se apega à propria vida.   Minha solidão e meus medos encontraram um adversário fortíssimo.   Daí busquei a leitura de outros filósofos. Passei a comprar uma coleção chamada " Os Pensadores"  vendida por volume que saia a cada mês a preços populares nas bancas e livrarias.  Comprei vários volumes na Livraria da Estação Rodoviária, quando viajava para Cachoeira.  Muitos  filósofos pré e os pós Socráticos passearam sobre meus olhos e coração ávidos de conforto espiritual.   Meu corpo frágil e minha alma fragilizada ganhou força  e a leitura das pensadores  filósofos passou a conviver com os estudos jurídicos.

O segundo momento, aconteceu a aproximadamente seis anos atrás.   

Durante mais de cinco anos ininterruptos, associados a outras pessoas resolvi trabalhar muito e ficar rico.  Passei a vivenciar um tempo de vida que o que menos importava era o conforto da alma.   Passei a visar muito mais  a conquista profissional, realizações financeiras, acúmulo de bens, desenvolvimento empresarial.  As realizações materiais foram acontecendo, a profisionalização das atitudes passou a suplantar as coisas da alma.  Aflorou-se a ambição, a vaidade, a arrogância.  A contemplação do belo natural foi suplantado pelo belo material, pelo belo transformado. Veio a sofregdão pelo prazer efêmero das festas e farras.  A família  e os amigos passaram  a ter impotência secundária - a fase do dinheiro conquista tudo.  Então, veio a debacle .  O conflito com Cristiane e quase o fim do casamento só evitado pelo conselho fecundo e experiente de Ronaldo. A doença do corpo ,  o conflito entre sócios e familiáres, afastamentos sofridos, inimizades , perda de posições, de bens materiais e morais. Noites e mais noites  sem dormir e por fim o vere dícto  final pela voz do irmão médico Nelsinho ao analizar defronte de mim  uma série de exames médicos que solicitara : - Paulinho, voçê que viver ou quer morrer ?  Se quer viver mude de vida,  mude seus hábitos, disse com voz grave. .  Naquela noite saí do consultório de Nelsinho, rumo a minha casa na Pituba e sem me dar  conta do que estava fazendo fui parar no fim de linha de Itapoã - Lagoa de Abaeté.    Sentei-me sozinho e atõnito em uma barraca nas proximidades da lagoa famosa " arrodeada de areia branca"  e  pedi uma cerveja . Deixei o pensamento fluir.  A lembrança de Sônia que morou em itapoã e minhas visitas semanais a ela, nos dias de quinta feira para pegar o rango e o maravilhoso suco de maracujá ( da fruta)  aproveitando a  folga na faculdade à tarde. Mil pensamentos perpasando, massacrando, salvando, por fim  a solidão e o medo.    Medo de morrer doente, medo de ficar só, medo de mim mesmo ...  o fundo do poço se aproximando velozmente. 

Então,  um estalo de lucidez diante das águas escuras da Lagoa.  Meus amigos esquecidos a mais de cinco anos suplantados pelos valores externos e efêmeros. Shopenhauer, Montaigne, Sócrates, Platão, Cícero, Epicteto, Hume , Montesquier,  Marco Aurélio  e tantos outros, desfilaram pelo abismo negro de minha alma.  Depois a imagem de meus filhos e a necessidade de não morrer antes de vê-los independentes.

Voltei para casa, silenciosamente e busquei na estante, o ja empoeirado Montaigne.  Foi o recomeço de minha vida espiritual.  A retomada da vontade de viver.  Ser bom comigo mesmo e especialmente com as outras pessoas.    A busca infinita pela moderação, pelo domínio dos desejos,  A busca pelo perdão  daqueles que fiz mal e perdoar aqueles que supunha ter me ofendido.  Apagar de vez todas as formas de rancor do coração e buscar amar todas as pessoas .  Conter os excessos, suprimir a ambição desmedida e a arrogância.  Buscar sempre fazer o bem para as pessoas, buscar incessantemente não magoar ou provocar sofrimento a  qualqure outra pessoa.  Enfim, ser virtuoso. Só a  experiência da virtude pode suprimir a solidão e o medo.  É isso que a filosofia ensina e é isso que tenho buscado aprender  e praticar incessantemente, neste últimos seis anos. 

Hoje posso dizer que superei em muito a solidão e o medo.   A minha alma ganha contornos inimagináveis  e não me descuido um só instante no contato perene com meus amados irmãos, mãe,  filhos, esposa,  sogra sobrinhos, primos, cunhados, genrro e nora,  amigos... e meus inseparáveis livros dos grandes pensadores e filósofos. 

Cuido de minha alma com o mesmo apego que cuido de minha vida material.    Neste mundão , tempo de tanto sofrimento e conflito, vale a pena ser observado o Tempo da Alma.             

Paulo Lobo  

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